COP30 no Brasil: justiça climática para quem?
- Instituto Repartir

- 6 de nov.
- 3 min de leitura
Atualizado: 13 de nov.
Além dos riscos ao próprio negócio, as empresas precisam olhar as pessoas
Por Thauane Blanche
Sou criada no Itaim Paulista, no extremo leste da cidade de São Paulo. Esta região periférica possui um cruzamento de seis córregos, entre eles Itaim, Tijuco Preto e Três Pontes. Nos dias quentes, o cheiro ruim das águas é tão forte que chega a ser difícil respirar. Em dias muito chuvosos, o córrego transborda e toma conta das ruas. Impossível não se preocupar com questões ambientais quando você é diretamente afetada pelo problema.
E não estou só. A pesquisa Viver em São Paulo: Meio Ambiente (2022), realizada pela Rede Nossa São Paulo e IPEC, mostra que 57% da população paulistana sofre com a poluição dos rios, o principal problema apontado.
De acordo com o estudo ESG no Ibovespa, realizado pela PwC Brasil em 2023 com 82 empresas listada na Bolsa (acesse aqui), em 2022, 85% das empresas mostraram-se preocupadas com as mudanças climáticas. Foi o tema material mais citado. Na matriz dos riscos estratégicos dos relatórios analisados pelo estudo, os riscos climáticos aparecem com mais destaque (57%).
É compreensível a preocupação destas empresas com o impacto negativo das mudanças climáticas em seus negócios. É compreensível também ações de combate ou mitigação de danos ambientais em função de responsabilidades regulatórias. Mas onde está o olhar para as pessoas, sobretudo as periféricas, neste desafio urgente que envolve empresas, poder público e demais organizações de nossa sociedade?
A cidade de São Paulo foi construída em cima de rios. Em todos os extremos da capital podemos observar pessoas morando na beira dos córregos. Isso não é algo para se preocupar? Em maio de 2024, vimos 471 cidades serem tomadas pelas águas no Rio Grande do Sul, com cerca de 150 mortos e mais de 2 milhões de pessoas diretamente afetadas. As pessoas mais prejudicadas foram as mais pobres.
Justiça climática e racismo ambiental na agenda das empresas
Sou uma mulher negra, estudante de Jornalismo, e lembro-me, quando criança, de caminhar pela beira do rio para chegar até a escola. Esta ainda é a realidade de muitas crianças que vivem por aqui. Elas brincam em frente ao córrego, sem pensar nos riscos, porque não há outra perspectiva de realidade.
Cenas como essa me fazem refletir sobre o racismo ambiental, termo utilizado para definir a junção das injustiças climática e racial, ou seja, quando corpos são marginalizados e jogados em ambientes de grande risco, realidade da maior parte das periferias do Brasil.
Dados do Censo 2022, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), evidenciam que pessoas negras e indígenas são as mais atingidas e vulneráveis às mudanças climáticas. Ainda com base no Censo 2022, 55,5% da população brasileira é não-branca, isso significa que a maior parte do país está sendo afetada diretamente.
Algumas dessas pessoas são colaboradoras das mesmas grandes empresas que se mostram preocupadas com os impactos das mudanças climáticas.
O que me faz voltar ao questionamento: vale a pena pensar apenas no macro? Há muito a ser feito operando na base do problema. Esta é a magia de ampliar o olhar; colaborar com os mais afetados pode beneficiar de forma direta ou indireta a própria organização. É necessário olhar para dentro da empresa e descobrir quem são as pessoas que compõem esse lugar. De onde elas vêm?
A prática de ações efetivas
De acordo com o Mapa da Desigualdade, o Itaim Paulista está entre os 10 piores bairros da cidade, mas tenho esperança de melhora. Acredito que o primeiro passo das organizações seja adotar a escuta ativa de quem é o maior prejudicado pelo problema.
Por que não começar nas favelas? São mais de 16 milhões de pessoas sobrevivendo às margens da sociedade. Atravessando córregos, driblando enchentes, alagamentos, o ar seco para vencer e vender sua força de trabalho. São muitos querendo fazer a diferença, ansiosos apenas por oportunidades de uma vida mais digna. Respirar melhor é uma delas.
Por fim, creio que a justiça climática que tanto reivindicamos é a compreensão de que somos uma extensão da natureza e, portanto, devemos cuidar dela ao mesmo tempo em que cuidamos uns dos outros. Tratar córregos, plantar sementes para expandir as áreas verdes não é só para cuidar das comunidades e, sim, para restaurar a humanidade.

